Entram em vigor, nesta quarta-feira (6), as tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos sobre as importações brasileiras. Mesmo diante dos impactos significativos para a indústria e os produtores nacionais, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue como no momento do anúncio das sanções ao Brasil: sem nenhuma ação concreta para lidar com o tarifaço de Donald Trump.
As alíquotas sobre os produtos brasileiros correspondem a mais que o dobro das aplicadas sobre ditaduras de esquerda e declaradamente antiamericanas como a Venezuela e a Nicarágua, com 15% e 18% respectivamente.
Apesar das inúmeras bravatas e provocações de Lula, das reuniões diárias entre representantes da indústria nacional e o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e de declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o fato é que as empresas que serão afetadas pelas tarifas seguem na mesma condição que no dia 9 de julho – quando Trump avisou pela primeira vez sobre a taxação de 50%.
O advogado tributarista Guilherme Peloso Araújo entende que, embora o governo venha tentando se capitalizar politicamente com esse episódio, todas as informações são no sentido de que o Executivo Federal pouco ou nada fez para evitar as tarifas contra produtos brasileiros.
“Ainda que mandatário dos mais fracos nessa disputa, o nosso presidente [Lula] segue com as suas manifestações políticas e pouco efetivas, reafirmando fatos e posições que em nada contribuem para as nossas necessidades”, afirmou.
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Brasil não apresentou propostas relevantes para negociação
Segundo porta-voz do governo americano, a administração Lula não teria enviado propostas relevantes para negociar tarifas. Mesmo diante da sinalização de que a exploração de terras raras, muito visadas pelos EUA, poderia entrar na negociação, a resposta do governo petista segue inócua.
Nesta terça-feira, por exemplo, Haddad disse que o Brasil pode negociar os metais raros. Entretanto, impôs a condição de que a negociação não somente vise à redução das tarifas, mas também à elevação de investimentos americanos no país.
EUA aliviou tarifas para poupar mercado interno
Luiz García, sócio do Tax Group do MDL Advogados, afirma que o único alívio para as empresas nacionais veio do próprio governo americano, que atuou em prol de interesses do mercado interno dos EUA ao abrir exceções para o tarifaço.
Ele afirma que, na prática, o setor produtivo nacional continua arcando sozinho com o impacto das tarifas, sem medidas internas para reduzir o chamado “custo Brasil”, como corte de tributos ou ajuste nos gastos públicos.
“O discurso político e as ações inócuas apenas agravam a perda de competitividade e o risco de redução de mercados, investimentos e empregos”, diz.
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Trump estabeleceu quase 700 exceções
No decreto em que estabeleceu a entrada em vigor da taxação para esta quarta-feira (6), Trump listou praticamente 700 exceções.
Pelas contas do vice-presidente Geraldo Alckmin, 65% das exportações brasileiras escaparam da sobretaxa. Estimativas privadas, porém, indicam que a lista de exceções contempla de 40% a 45% da pauta de vendas do Brasil aos EUA.
Alckmin afirmou que o governo deve apresentar um plano de contingência em questão de dias. Entre as medidas previstas, estão a possibilidade de compras governamentais e crédito a empresas.
Brasil ganha ao se manter em silêncio
José Augusto de Castro, diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz não ter expectativa de que o governo lance o plano de contingência nos próximos dias.
Para ele, a postura de ouvir muito e falar pouco é a mais acertada, já que não se sabe exatamente o que os Estados Unidos estão planejando, tendo em vista que, por conta própria, Trump determinou diversas exceções para o tarifaço.
Morosidade do governo contrasta com velocidade dos impactos do tarifaço
De acordo com Flávio Molinari, sócio do Collavini Borges Molinari Advogados, uma possível ação do governo brasileiro seria questionar a exigência dessas tarifas nos EUA, pois há precedentes nesse sentido. A questão jurídica poderia se embasar no fato de os EUA terem superávit na balança comercial com o Brasil.
A falta de medidas práticas do governo Lula, contudo, contrasta com a velocidade dos impactos das tarifas de Trump sobre a economia nacional.
O anúncio do tarifaço, em 9 de julho, provocou a reversão do fluxo de capital externo na B3, a Bolsa brasileira, fazendo do mês passado o pior julho em quatro anos, com fuga líquida de R$ 6,3 bilhões. O valor só é menor que os R$ 8,25 bilhões negativos registrados em julho de 2021, segundo dados da consultoria Elos Ayta.
Em ata publicada nesta terça-feira (5), o Banco Central justificou que manteve a taxa básica de juros a 15%, entre outras razões, por cautela em relação ao impacto do tarifaço.
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Previsões de impacto variam
Após a publicação do decreto no qual Trump especificou as tarifas para o Brasil, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) estimou que as perdas brasileiras, já consideradas as exceções à alíquota de 50%, chegariam a US$ 23,9 bilhões.
De acordo com as estimativas do Bradesco, que reviu os cálculos iniciais de US$ 15 bilhões em perdas, o impacto das tarifas de 50% pode ser de US$ 9,4 bilhões – o banco faz a ressalva de que as simulações não consideram o redirecionamento de exportações para novos mercados ou a absorção de custos pelos exportadores.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também reduziu as estimativas do impacto do tarifaço de 0,35% para 0,20% do PIB neste ano. Para 2026, os impactos foram estimados em 0,38% do PIB, abaixo dos 0,6% inicialmente previstos.
As estratégias das empresas diante do tarifaço
Entre os setores afetados diretamente pelo tarifaço, como o de carnes, armas de fogo, entre outros, as estratégias adotadas variam. Algumas empresas já optaram pela redução do quadro de colaboradores, com planos de demissão. Outras pararam as operações e estabeleceram férias coletivas para seus funcionários.
Algumas companhias brasileiras que já têm atuação em solo americano já chegam a cogitar a migração completa de sua atividade para os EUA.
Estudo previu enxurrada de demissões com tarifaço
Estimativas iniciais do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – feitas antes do anúncio das exceções – mostravam que o tarifaço poderia resultar em até 110 mil demissões no país, sendo 40 mil postos de trabalho na agropecuária, 31 mil no comércio e 26 mil na indústria.
Diante da lentidão do governo federal em apresentar alguma solução, estados como Goiás, São Paulo e Minas Gerais já desenvolveram planos de contingência para auxiliar as empresas mais afetadas.
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