Mesmo em um governo que já ultrapassou repetidas vezes os limites legais no uso de medidas econômicas para remodelar o cenário global de negócios, um novo acordo com duas gigantes de tecnologia está acendendo alertas entre especialistas em comércio internacional.
A Nvidia (BDR: NVDC34) e a AMD (A1MD34) concordaram em pagar ao governo dos EUA 15% da receita obtida com determinadas vendas de chips para a China. Os chips em questão — o H20 AI Accelerator, da Nvidia, e o MI308, da AMD — haviam sido anteriormente proibidos pela administração Trump e exigem licenças de exportação para serem vendidos.
“Chamar isso de incomum ou sem precedentes seria um eufemismo chocante”, disse Stephen Olson, ex-negociador comercial dos EUA e hoje membro do ISEAS – Yusof Ishak Institute, em Cingapura. “O que estamos vendo é, na prática, a monetização da política comercial americana, na qual empresas dos EUA precisam pagar ao governo para ter permissão de exportar. Se for esse o caso, entramos em um mundo novo e perigoso.”
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O acordo de compartilhamento de receita é a mais recente intervenção governamental agressiva e juridicamente questionável desde que Donald Trump voltou à Casa Branca em janeiro. Além de uma campanha tarifária caótica e críticas persistentes ao presidente do Federal Reserve, Trump tem usado sua plataforma no Truth Social para tudo, desde pedir a renúncia de CEOs até comentar campanhas publicitárias corporativas.
A abordagem transacional do presidente já havia sido vista quando ele aprovou a venda da United States Steel Corp. para a japonesa Nippon Steel Corp., em um negócio de US$ 14,1 bilhões que incluiu condições como adesão a regras de segurança nacional e concessão de uma “golden share” ao governo americano. Japão, Coreia do Sul e União Europeia prometeram investir bilhões de dólares nos EUA em troca de tarifas limitadas a 15%, enquanto empresas como a Apple Inc. escaparam de tarifas ao se comprometer a investir centenas de bilhões no país.
Segundo Deborah Elms, chefe de política comercial da Hinrich Foundation em Cingapura, os acordos com a Nvidia e a AMD podem levar a Casa Branca a mirar outros setores e produtos.
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“O céu é o limite”, disse ela. “Você pode imaginar todo tipo de combinação específica por empresa ou por país, dizendo: ‘Ninguém mais pode comercializar, mas se nos pagar diretamente, aí você pode’.”
Apesar de Nvidia e AMD terem aceitado os termos, há dúvidas sobre a legalidade do arranjo, que se assemelha a um imposto sobre exportação — algo proibido pela Constituição dos EUA.
O governo Trump já enfrenta um processo relacionado ao uso da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional para impor o que chamou de tarifas “recíprocas” ao mundo. Na sexta-feira, Trump alertou para uma “GRANDE DEPRESSÃO” caso os tribunais considerem suas tarifas ilegais.
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Os chips estão no centro da disputa entre EUA e China pelo domínio de indústrias do futuro, como inteligência artificial e automação. O governo Biden havia restringido a venda de chips avançados para a China, levando a Nvidia a criar o H20 para contornar essas barreiras. Em abril, autoridades de Trump endureceram os controles, proibindo a venda sem licença.
No mês passado, porém, a Casa Branca decidiu permitir que Nvidia e AMD retomassem as vendas de chips projetados especificamente para o mercado chinês — modelos menos avançados do que os aceleradores de IA de ponta. O secretário de Comércio, Howard Lutnick, afirmou que a intenção era deixar os desenvolvedores chineses “viciados” em tecnologia americana.
A China, no entanto, reagiu mal, especialmente após os EUA exigirem que os chips fossem equipados com tecnologia de rastreamento para reforçar os controles de exportação. No domingo, a conta Yuyuantantian, ligada à rede estatal CCTV e usada para sinalizar o posicionamento de Pequim, criticou publicamente as supostas falhas de segurança e a ineficiência do H20.
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Ainda assim, empresas chinesas podem recorrer ao H20, já que a produção local não é suficiente para atender à demanda — o que pode beneficiar Nvidia e AMD e, agora, gerar receita extra para o governo americano.
Trump ainda não prorrogou a trégua comercial de 90 dias entre EUA e China, que expira em 12 de agosto. Lutnick afirmou na semana passada que o cessar-fogo “provavelmente” será mantido enquanto as maiores economias do mundo seguem negociando, com a possibilidade de um encontro entre Trump e Xi Jinping ainda este ano.
“Está claro que há uma mudança no governo para adotar uma postura de segurança nacional mais branda enquanto as negociações avançam”, disse Drew DeLong, líder de prática em dinâmica geopolítica na consultoria Kearney.
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Embora os EUA já tenham intervindo antes — inclusive assumindo participações em empresas privadas após a crise de 2008 —, um acordo semelhante ao fechado com Nvidia e AMD é difícil de lembrar e, sem supervisão adequada, pode levar a um “estado de capitalismo de compadrio”, alertou Scott Kennedy, do Center for Strategic and International Studies, em Washington.
“Isso representa uma mudança enorme na forma como a economia americana deve funcionar”, disse Kennedy. “Não vai agradar a ninguém, exceto talvez aos chineses, que receberão seus chips e assistirão ao sistema político dos EUA se contorcer em meio a tensões internas.”
©️2025 Bloomberg L.P.
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