A piscicultura brasileira andava de vento em popa no país. A produção aumentava ano a ano, as exportações não paravam de crescer (138% em 2024 na comparação com 2023) e os produtores pegavam crédito e faziam investimentos para melhorar seus negócios, na expectativa de que o mercado continuaria aquecido. Mas uma maré brava atingiu o setor – com ondas vindo de diferentes partes do mundo.
De um lado, o presidente Donald Trump impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. A piscicultura ficou fora da lista de isenções, o que representou um baque para o setor, já que quase 90% das exportações de peixe têm os Estados Unidos como destino. Do outro, o governo brasileiro liberou a importação de tilápia do Vietnã, elevando a concorrência no mercado interno.
“É o pior momento da história do nosso setor. Que Deus nos ajude”, disse Jairo Gund, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca).
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Gund explicou que existe um ponto chamado “ponto de equilíbrio” na indústria. Quando a atividade opera abaixo dele, produzir significa acumular prejuízo. “Esse é o cenário que enfrentamos”. A estimativa dele é de um prejuízo de R$ 600 milhões em 2025. “Isso é perda de fluxo no caixa das empresas, que, por consequência, já estão tomando medidas como férias coletivas e demissões, para ajustar a produção ao ponto de equilíbrio.

Fonte: COMEXSTAT/Ministério da Economia (2025). Elaboração: Embrapa Pesca e Aquicultura
Peixes em números
Em 2024, o Brasil produziu 968.745 toneladas de peixes de cultivo, ante 887.029 toneladas em 2023, segundo dados da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). O volume é equivalente a 2.167 aviões Boeing 747-8, que pesam 447 toneladas cada. O Paraná lidera a produção nacional, com 250.315 toneladas em 2024 – mais do que São Paulo (93.200), Minas Gerais (72.800) e Santa Catarina (59.100) juntos.
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As exportações nacionais somaram 13.792 toneladas em 2024, o equivalente a 30 aeronaves, com alta de 138% sobre o ano anterior. Em valores, o salto foi de US$ 24,7 milhões para US$ 59 milhões. Só o Paraná respondeu por US$ 35,7 milhões em tilápias exportadas.
Grande parte dos produtores do estado está na agricultura familiar. Por isso, o tarifaço representa um impacto econômico e social significativo, segundo Edmilson Zabott, presidente do sindicato rural patronal de Palotina, no Oeste do Paraná. “O produtor, que viu na piscicultura uma possibilidade de renda, vai ter que abandonar e buscar trabalho na cidade. Os produtores já estão com o custeio da ração vencendo e o Estado não consegue cumprir porque não tem comprador na ponta”, afirmou.
Zabott, que também atua há mais de 20 anos na piscicultura, produz entre 300 e 350 toneladas por ano. Ele é integrado a uma C.Vale, uma das maiores cooperativa da região Sul, com 27.000 associados. O diretor industrial da C.Vale, Reni Girardi, disse para o InfoMoney que a empresa já reduziu o abate de 200 mil para 192 mil tilápias/dia.
“Estamos buscando novos mercados para a carne, mas isso não acontece de uma hora para outra, ainda mais nos volumes que os norte-americanos vinham comprando. Um novo mercado exige uma negociação complexa e bastante demorada. Em relação ao quadro de pessoal, nesse momento não está em nossos planos a redução do número de funcionários.”.
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Fonte: COMEXSTAT/Ministério da Economia (2025). Elaboração: Embrapa Pesca e Aquicultura
Concorrência do Vietnã
Além das tarifas, o setor enfrenta outro desafio. Em abril, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) autorizou a importação de tilápia do Vietnã. A medida faz parte de negociações comerciais que envolvem também a exportação de carne bovina brasileira para o país asiático. Ou seja: boi para lá, peixe para cá.
A decisão não agradou os representantes do setor, tanto pela concorrência quanto por preocupações com a segurança alimentar. “Você baixa a guarda para a entrada do produto de lá para vender para cá, e simplesmente esfacela uma cadeia que ainda é jovem, que ainda está se estruturando e que vinha crescendo pela competência do setor”, disse Gund, da Abipesca.
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Estratégias
Diante do cenário adverso, o setor articula estratégias para manter as atividades. Uma delas é tentar convencer o governo a suspender a importação de peixes do Vietnã. “É um pleito que a gente ainda mantém: barrar essas importações. Tanto por questões sanitárias quanto pela qualidade do produto, que é inferior à tilápia que a gente tem aqui. E também porque, neste momento, precisamos fortalecer o nosso mercado interno e ampliar o consumo do produto nacional para equilibrar os preços”, disse Fábio Peixoto Mezzadri, técnico do Departamento Técnico Econômico e Legal da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP).
Outro ponto é pressionar o governo federal a negociar com os EUA o tarifaço, que começou a valer na quarta-feira (6) para o Brasil. “A gente precisa que o governo sente com o governo americano, né? E traga os interesses da pauta brasileira, entendendo que eles são clientes nossos, para que a gente consiga essa reversão”, disse Gund.
A abertura de novos mercados também está na mesa, especialmente no Velho Continente. O Brasil perdeu o status de exportador de pescados para a Europa em 2017 por falhas no controle sanitário nas embarcações. “As exigências não eram diferenciadas entre peixes capturados da pesca extrativa e os da aquicultura. Isso levou à suspensão das importações, não só do Paraná, mas de todo o Brasil”, explicou Mezzadri, técnico da Faep (Federação da Agricultura do Paraná).
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Segundo ele, cooperativas paranaenses estão avançando na tentativa de retomar a certificação exigida pelo mercado europeu. “Mas isso depende também da atuação do governo federal para facilitar o trâmite das missões estrangeiras e organizar as vistorias necessárias aqui”, disse Mezzadri.
Há ainda um movimento para fortalecer o consumo interno e revisar a tributação estadual. Nesta semana, Edmilson Zabott esteve em Curitiba para negociar com o governo paranaense a redução da alíquota de ICMS sobre a venda de peixe inteiro. Hoje, o estado tem uma das maiores taxas do país, entre 7% e 12%, enquanto São Paulo e Minas Gerais cobram apenas 0,01%.
“Queremos apenas a condição de continuar produzindo. Muitos de nós investimos pesado, com garantias dadas pelas propriedades. Se não conseguirmos cumprir nossos compromissos, corremos o risco de enfrentar ações judiciais”, afirmou.
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O setor também pleiteia uma linha emergencial de crédito de R$ 900 milhões para enfrentar o novo cenário.
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