Após uma reunião presencial privada de 45 minutos entre os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil na Malásia, apoiadores do governo Lula foram rápidos em cantar vitória, como se a crise na relação entre os países tivesse sido superada num passe de mágica, graças ao carisma e à química do governante brasileiro.
Dentre os mais entusiasmados, estava o senador Humberto Costa (PT-ES): “Eita que a química só aumenta”. Outro petista, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), seguiu a mesma linha eufórica ao comentar a fotografia do aperto de mãos: “Tem coisa que nem a inteligência artificial consegue prever! Mas aconteceu: Lula e Trump lado a lado. Eu te entendo, Trump, é difícil resistir ao carisma do nosso presidente”. Já o presidente do Partido dos Trabalhadores, Edinho Silva, que chamou várias vezes Trump de “o maior fascista do século XXI”, celebrou dizendo que “o diálogo é sempre o caminho”.
Apesar de toda a empolgação dos petistas, de concreto, no entanto, houve apenas o agendamento de novas reuniões bilaterais. As sanções permanecem intactas, sem recuo por parte dos Estados Unidos nas condições impostas para revisão do tarifaço.
Fim do jogo de pôr a culpa nos outros
Na oposição, não faltaram ironias sobre o oferecimento de Lula para ser mediador do conflito entre EUA e Venezuela, no que seria uma tentativa de desviar a conversa de tópicos incômodos. “Lula encontra Trump e na mesa um assunto que claramente incomoda o ex-presidiário: Bolsonaro. Imagine o que foi tratado a portas fechadas?”, questionou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente que está exilado nos EUA.
Como efeito residual do encontro, Lula agora terá de abandonar o discurso fácil de culpar Eduardo Bolsonaro pelo tarifaço, como vinha fazendo repetidamente. É a avaliação do líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcanti: “Há meses o Brasil paga o alto preço da falta de humildade de um descondenado presidente que arrogantemente não quis negociar logo o tarifaço. Hoje está provado que a culpa é do descondenado Lula”.
O fato é que Trump tem demonstrado um tratamento diferenciado ao Brasil, tanto na inédita imposição de tarifas extras por perseguição judicial, como na aparente tolerância às críticas mais ácidas do presidente Lula e de seus aliados, que já classificaram o republicano como candidato a imperador do mundo e “maior líder fascista do século”.
Boa vontade de Trump visa não prejudicar disputas geopolíticas
Para o professor de Direito e Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Daniel Vargas, a primeira lição de Trump à comitiva brasileira é a de que ele não segue a tática do cancelamento típico da esquerda. “Trump não diz ‘eu vou emburrar e não vou mais falar com você’. Não é assim que ele jamais fez política, e não seria dessa vez”, sublinha.
A boa vontade aparente do líder americano em relação aos problemas brasileiros estaria ligada a aspectos geopolíticos relevantes envolvendo os embates com Venezuela e China. “Os Estados Unidos deslocaram o maior porta-aviões do planeta para o mar do Caribe. Isso não é apenas o esforço pontual de sinalizar uma ameaça. Já é mais do que isso. Ninguém move uma estrutura militar com essa envergadura para a beirada da Venezuela apenas para projetar poder. Há uma intenção dos EUA de ir além”, avalia Vargas.
Caso Trump realmente venha a intervir na Venezuela, acredita o docente da FGV, convém que isso ocorra no contexto de um canal de diálogo aberto com o Brasil, maior potência regional. Paralelamente, a disputa pelo acesso às terras raras, das quais China e Brasil têm as maiores reservas, também é peça-chave no tabuleiro. “Vejo que Trump está abrindo um canal para voltar a pressionar o Brasil, para que se afaste da China, para que se afaste da Venezuela e não ofereça guarida ou apoio a qualquer forma de proteção ideológica a governos da América Latina que estão em tensão com os EUA. Por isso, ele abre esse canal”, destaca Vargas.
Trump fala de Bolsonaro e Marco Rubio cita perseguição judicial
Na conversa com jornalistas antes da reunião, Trump enfatizou que há espaço para avançar na revisão das tarifas, desde que algumas condições que ele já havia colocado antes – como o fim da perseguição judicial a Bolsonaro – sejam atendidas. Trump voltou a elogiar Bolsonaro na entrevista – “Ele é um bom sujeito. Nós ficamos incomodados com as penas contra ele” – enquanto Lula se irritou quando perguntaram sobre o ex-presidente e pediu para encerrar a entrevista coletiva.
Quem foi encarregado por Trump a tratar dos temas políticos com a comitiva brasileira é o secretário de Estado, Marco Rubio. Na véspera do encontro na Malásia, Rubio destacou a parceria estratégica com o Brasil, mas não recuou em relação às condições para rever o tarifaço. “No longo prazo, acredito que é benéfico ao Brasil nos ter como parceiro comercial preferencial, em vez da China, por causa da geografia, por causa da cultura, por causa de um alinhamento em muitos aspectos. Mas, obviamente, temos alguns problemas com o Brasil, particularmente na maneira como alguns de seus juízes têm tratado o setor digital dos Estados Unidos e as postagens em mídias sociais de pessoas em solo americano. Teremos de trabalhar nisso, está tudo interligado”, afirmou Rubio.
Para além de aperto de mãos e poses sorridentes para fotos, o governo Trump está determinado a não deixar que a América Latina siga um trajeto de subordinação econômica e ideológica aos interesses de Pequim. Por isso mantém o canal de diálogo aberto com o governo brasileiro, apesar de ser um governo hostil e de esquerda, segundo o economista José Pio Martins. “Penso que mais do que o problema do Bolsonaro, a preocupação de Trump é com a Suprema Corte do Brasil agindo como a Suprema Corte da Venezuela. Isso é um experimento esquerdista de como implantar um regime autoritário via sistema judicial. Por outro lado, Trump sabe que regimes autoritários em países pobres acabam se alinhando a ditaduras esquerdistas, a começar pela China. E é perigoso para a própria segurança dos EUA ter isso na América do Sul, especialmente neste gigante que é o Brasil”, avalia.
Sem providências contra perseguição judicial, “chance zero” de fim das tarifas
Lula segue acreditando que os assessores conseguirão avançar naquilo que travou a conversa de alto nível: simplesmente tirar da mesa a “Tarifa Moraes”. Esse foi o apelido dado à maior parte do tarifaço de 50%, ligado à perseguição judicial a indivíduos e empresas, à violação dos direitos humanos e à agressão à liberdade de expressão. “Acertamos que nossas equipes vão se reunir imediatamente para avançar na busca de soluções para as tarifas e as sanções contra as autoridades brasileiras”, escreveu Lula na plataforma X. O governo americano, em contrapartida, não divulgou detalhes da conversa e Trump também não se manifestou sobre o assunto nas redes sociais.
Para conseguir a suspensão ou a revisão das tarifas, o governo Lula foge do tema de maior peso, conforme o próprio Trump, que é o fim da perseguição do judiciário brasileiro à Direita no país. E segue apostando em insistir apenas no componente econômico, argumentando que os Estados Unidos têm superávit com o Brasil e ótima relação histórica. Quais as chances de os EUA recuarem nas exigências e suspenderem a “Tarifa Moraes”, revogando a aplicação da Lei Magnitsky e o cancelamento de vistos de autoridades, sem que o Brasil avance em compromissos para interromper os abusos judiciais?
“É altamente improvável porque isso desmoralizaria os instrumentos que expressam a credibilidade do Estado americano. A imposição da Lei Magnitsky e o início de investigações comerciais são políticas de Estado. Creio que estes temas continuarão vivos, influentes, embora não possa dizer o peso que eles terão no encaminhamento de políticas entre os Estados Unidos e o Brasil. Os EUA não vão fazer isso (retirar sanções) como um ato de bondade para ninguém. A presença do Marco Rubio, ao lado de Trump, é uma sinalização de que a vertente ideológica continuará tendo prioridade nas decisões americanas”, conclui Daniel Vargas.
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