SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A psicóloga Beatriz Ferreira, 26, sofre há sete anos com sintomas decorrentes do bruxismo. Os primeiros sinais foram dores no pescoço -às vezes mais intensas, às vezes menos-, mas ela achou que era natural. Até que, em 2020, com o acúmulo do estresse e ansiedade por causa do fim da faculdade e da pandemia, as dores pioraram. Além do pescoço, começou a sentir forte dores na cabeça.
Ela procurou diversos especialistas, como ortopedistas, fisioterapeutas e dentistas. “Além de não estar melhorando, estava piorando. Eu sentia que as dores estavam mais intensas e começando a subir para o meu rosto e meus dentes.”
Foi quando seu dentista observou sinais de apertamento dentário que ela procurou um profissional especializado para investigar a dor. Depois de tanto tempo tentando entender a causa de duas dores, o bruxismo de Beatriz tinha evoluído para uma disfunção temporomandibular (DTM) e uma fratura no côndilo, a parte mais vulnerável da mandíbula.
Juliana Stuginski Barbosa, especialista em bruxismo, DTM e dor orofacial, diz que chegar a esse ponto é raro e uma exceção nos casos de bruxismo, mesmo os mais severos. “O que é mais comum é fratura de dente, quebra de restauração, lesão cervical não cariosa [retração gengival, que é a perda de estrutura dentária próxima à gengiva].”
O bruxismo é conhecido pelo ato involuntário de ranger os dentes durante a noite. Ele ocorre pela contração dos músculos envolvidos na mastigação, que empurram a mandíbula e apertam os dentes.
Barbosa explica que há uma diferença entre o bruxismo do sono e o de vigília, que é o praticado durante o dia. Ela afirma que, apesar de o bruxismo do sono ser o mais conhecido, é o de vigília que é o mais frequente na população.
“Nas pessoas que não têm desfechos negativos, o bruxismo do sono não é considerado um distúrbio do sono ou do movimento”, explica Laís Valencise Magri, professora da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP/USP).
A professora complementa que o bruxismo não é uma doença, mas sim uma atividade muscular da mandíbula. Durante o dia, quando a pessoa está acordada, Magri explica que o ato acontece pelo contato repetitivo dos dentes ou por pressionar a mandíbula de forma rígida. As causas, segundo a professora, podem ser diversas e múltiplas.
Entre elas estão fatores relacionados ao sistema nervoso central e psicossociais -como estresse e ansiedade-, principalmente no bruxismo de vigília. Predisposição genética, apneia do sono, ronco e refluxo e o uso de medicações podem contribuir para o agravamento da condição. “O café, a cafeína, o cigarro, o sono, podem também ser fatores associados a essa manifestação”, complementa Magri.
Barbosa realizou um estudo pioneiro que relaciona derivados de anfetamina, mais especificamente lisdexanfetamina, com o bruxismo. A movimentação involuntária pode surgir como efeito colateral de medicações e drogas estimulantes.
Dentre as duas formas de apresentação, que são diferentes, algumas pessoas também podem apresentar um bruxismo cíclico -que aparece de tempos em tempos- ou contínuo, diz Mayra Torres Vasques, professora da especialização em DTM, dor orofacial e odontologia do sono do Ensino Einstein.
“É comum o paciente começar a sentir dor muscular na face, dificuldade para abrir a boca, ruídos nas articulações durante a mastigação, desgastes dentários e, eventualmente, até fraturas”, diz. É importante procurar um especialistas em DTM e dor orofacial se apresentar sintomas persistentes.
A dor, geralmente muscular, pode afetar a qualidade de vida dos pacientes e comprometer tarefas do dia a dia, como falar, rir e até comer. Gabriel Kubota, coordenador do Centro de Dor do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, explica que é comum receber pessoas com enxaqueca que têm relação com o bruxismo.
Por esse motivo, o médico reforça a importância da interdisciplinaridade para tratar os casos, ou seja, que o profissional da saúde tenha um conhecimento mais amplo do que o que está restrito à sua especialidade, para assim poder fazer os encaminhamentos necessários.
Hoje, Beatriz faz acompanhamento multiprofissional para lidar com as consequências que a condição causou e evitar uma intervenção cirúrgica. Ela faz sessões de fisioterapia, acompanhamento com neurologista para lidar com as dores, com um dentista para proteger os dentes e também com uma psicóloga para controlar a ansiedade, que é um dos pontos-chave no seu caso.
“Venho lidando também na maneira de ir aceitando isso, porque sentir dor sempre é enlouquecedor. Tem dias e dias: tem dias ainda terríveis de dor, mas é quando as coisas estão todas fora do lugar, né?”, diz, se referindo a quando deixa de fazer os exercícios de fisioterapia, está mais ansiosa, ou dorme sem a placa.
Barbosa diz que o bruxismo, especialmente o de vigília, está relacionado a alguns fatores psicossociais, como ansiedade e estresse. Por sua vez, esses sintomas psicológicos podem estar associados à insônia. Ela cita um estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) que concluiu que a má qualidade do sono tem relação com a condição.
“Se a gente for olhar a ansiedade e o estilo de vida, conseguir controlar o comportamento quando está acordado, reduzindo a ansiedade e estresse, melhorando a qualidade do sono, isso ajuda a controlar o bruxismo”, conclui a especialista.
Camila Junqueira, especialista em nutrição, explica como o mal-estar e a alimentação estão relacionados
Rafael Damas | 06:00 – 06/08/2025
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