A agência americana Associated Press (AP) publicou nesta terça-feira (28) uma história digna de livro ou filme: um agente dos Estados Unidos tentou convencer um dos pilotos do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, a desviar a aeronave para um país onde o líder chavista pudesse ser preso.
A AP obteve informações sobre o plano (que não deu resultados) por meio de entrevistas com três autoridades americanas e um opositor a Maduro, que falaram sob condição de anonimato, e também analisou e atestou a veracidade de trocas de mensagens de texto entre o agente, Edwin Lopez, e o piloto, Bitner Villegas.
Segundo a apuração da agência americana, tudo começou em abril de 2024, quando um informante apareceu na Embaixada dos Estados Unidos na República Dominicana, alegando ter informações sobre os aviões oficiais de Maduro.
À época, Lopez, que se aposentou em julho deste ano, era adido na embaixada e investigador do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) e chefiava as investigações da agência sobre redes criminosas transnacionais que atuam no Caribe.
O agente recebeu um cartão com o telefone do informante, que lhe disse que dois aviões oficiais de Maduro estavam na República Dominicana, passando por consertos.
Já com a ideia de aliciar um dos pilotos para que o ditador fosse preso, Lopez foi a um hangar do Aeroporto Internacional La Isabela, em Santo Domingo, onde as aeronaves estavam.
Segundo a AP, Lopez e outros agentes conversaram com os pilotos, mas os americanos já tinham Villegas como “alvo” principal, pois sabiam que ele era o responsável pela maior parte das viagens de Maduro.
Lopez ficou cerca de 15 minutos batendo papo com Villegas, a respeito de amenidades, como celebridades com quem ele já havia voado, e então fez a pergunta incisiva: Villegas já havia transportado Hugo Chávez e seu sucessor, Maduro?
De acordo com as informações apuradas pela AP, Villegas a princípio tentou fugir do assunto, mas depois admitiu que havia pilotado voos com os dois ditadores. Até mostrou a Lopez fotos no celular que o mostravam ao lado de Chávez e Maduro e deu detalhes sobre instalações militares da Venezuela que havia visitado. A conversa foi gravada por outro agente, sem avisar o piloto, em um celular.
Lopez então fez diretamente a proposta: quando estivesse com Maduro, Villegas deveria desviar o avião para a República Dominicana, Porto Rico ou a base militar americana na Baía de Guantánamo, em Cuba, para que o ditador fosse preso.
À época, a recompensa dos Estados Unidos por informações que levassem à captura ou condenação de Maduro era de US$ 15 milhões, oferecida desde 2020. Em 10 de janeiro deste ano, ainda no governo Joe Biden, Washington aumentou a oferta para US$ 25 milhões e em agosto, a gestão Donald Trump elevou a recompensa para US$ 50 milhões.
Apesar de não ter aceitado a oferta, Villegas deu seu número de celular a Lopez. Villegas e os outros pilotos retornaram à Venezuela sem as aeronaves, que não tinham as autorizações adequadas, e depois elas foram apreendidas pelos EUA devido às sanções contra a Venezuela.
Lopez não desistiu e, em mais de dez mensagens enviadas por WhatsApp e Telegram, seguiu tentando cooptar Villegas. Mesmo após se aposentar, o agente enviou uma mensagem para o piloto depois que a oferta dos EUA por Maduro chegou a US$ 50 milhões, em agosto: “Ainda há tempo de ser o herói da Venezuela e estar do lado certo da história”. Porém, não teve retorno.
Em setembro, em resposta a outra mensagem de Lopez, Villegas chamou o agente aposentado de “covarde”. “Nós, venezuelanos, somos feitos de um material diferente”, escreveu Villegas. “A última coisa que somos é traidores.”
Lopez fez uma última tentativa, mandando uma foto de ambos conversando na República Dominicana, e lembrando Villegas de que ele tem três filhos (cujos nomes citou), que poderiam ter uma vida melhor nos Estados Unidos. Mesmo assim, o piloto não aderiu ao plano.
Depois, Marshall Billingslea, um ex-funcionário da primeira gestão Trump (2017-2021) que na semana passada acusou políticos de esquerda do Brasil e de outros países latino-americanos de terem recebido dinheiro “sujo” da Venezuela, decidiu constranger Villegas.
No dia do aniversário do piloto, 19 de setembro, Billingslea publicou no X uma mensagem desejando felicidades, junto de uma foto da conversa de Lopez com Villegas (a mesma que o agente havia enviado para o piloto no dia anterior pelo WhatsApp), mas com o agente cortado da foto, e outra imagem, uma foto oficial de Villegas, com um uniforme militar.
Logo após a publicação do post, o avião de Maduro retornou abruptamente para a Venezuela, o que gerou especulações de que Villegas teria sido convocado para prestar esclarecimentos sobre o post ou para ser preso.
Não se soube nada sobre o piloto por dias, até que em 24 de setembro, ele apareceu no programa de TV de Diosdado Cabello, ministro do Interior, Justiça e Paz da Venezuela.
O número 2 do chavismo chamou Villegas de “patriota” e disse que os militares venezuelanos “não podem ser comprados”. O piloto ergueu o punho, em sinal de lealdade ao chavismo – mas terá sido este o capítulo final dessa bizarra história?
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