Notícias em alta
Categorias
Fique conectado
Notícias em alta
Ao utilizar nosso site, você concorda com o uso de nossos cookies.

Notícias

Cresce insatisfação de aliados de Trump com papa Leão 14
Mundo

Cresce insatisfação de aliados de Trump com papa Leão 14 

Seis meses após a eleição do primeiro papa americano da história, católicos conservadores dos EUA que apoiram a eleição de Donald Trump à Casa Branca enfrentam dilema inédito. Leão 14 não apenas manteve as posições de Francisco sobre migração, mudanças climáticas e economia — como transformou esses temas em prioridades centrais de seu pontificado, definindo-os como “linhas vermelhas morais”.

A tensão entre o Vaticano e católicos aliados do presidente americano chegou a ponto de o pontífice ser chamado de “papa Woke” e “papa comunista”, aponta a The Economist. “Ele não está entendendo o que está acontecendo na América”, disse John Yep, líder do grupo conservador Catholics for Catholics — expressão do desconforto de uma base que esperava interlocução, não confronto doutrinário.

Nascido em Chicago, Leão 14 assumiu com um estilo mais reservado e formal que Francisco. Mas a diferença é apenas de forma: ambos compartilham a mesma visão de Igreja como um “hospital de campanha” que deve atender os mais marginalizados, particularmente os pobres, afirmou à CNN Christopher White, pesquisador da Universidade de Georgetown e autor de um livro sobre o pontificado.

Os católicos conservadores esperavam que um papa americano pudesse reequilibrar a ênfase da Igreja, fortalecendo a articulação de questões doutrinárias tradicionais e reduzindo posicionamentos sobre migração, clima e economia. O pontificado seguiu direção oposta: Leão 14 elevou esses temas a prioridades morais centrais, gerando tensão em três frentes específicas.

Três frentes de divergências entre Leão 14 e católicos aliados de Trump

A fricção entre Leão 14 e a crítica conservadora concentra-se em três áreas: migração, mudanças climáticas e justiça econômica. Em cada uma delas, interpretações distintas da doutrina social da Igreja produzem conclusões políticas opostas, com consequências práticas que vão de tensões com doadores conservadores a questionamentos sobre o papel da Igreja na vida pública americana.

Imigração: interpretações divergentes do dever cristão

Leão 14 classificou as políticas de deportação dos EUA como “desumanas”. Em outubro, ao se reunir com bispos americanos, assistiu a vídeos de migrantes e, visivelmente emocionado, instruiu-os a serem mais incisivos na defesa dos imigrantes. A Igreja não pode permanecer em silêncio, afirmou.

O pontífice enfatizou que o tratamento dado a estrangeiros é critério de julgamento cristão e pediu às autoridades que respeitassem os “direitos espirituais” dos detidos pela agência de imigração americana (ICE): acesso a sacramentos e assistência religiosa. Descendente de imigrantes, fez da causa uma questão pessoal. Criticou especificamente a repressão em Chicago, sua cidade natal, onde a administração Trump tentava implantar a Guarda Nacional.

A declaração mais contundente veio ao conectar imigração e aborto. “Alguém que diz: ‘Eu sou contra o aborto, mas concordo com o tratamento desumano de imigrantes nos Estados Unidos’, não sei se isso é pró-vida”, afirmou o papa.

A equiparação entre aborto e imigração gerou forte reação. Para críticos conservadores, a comparação ignora distinções fundamentais: o dever moral de acolhimento não anula a responsabilidade do Estado com segurança nacional e aplicação de leis de imigração. Essa perspectiva enfatiza que o discurso papal não diferencia entre imigração legal e ilegal, nem reconhece o dilema de autoridades que buscam equilibrar compaixão com ordem pública — distinção considerada essencial para debate sério sobre o tema.

Clima e capitalismo: o debate sobre prosperidade e justiça

A tensão se aprofunda nos temas econômicos e ambientais. Na exortação apostólica Dilexi Te (documento papal iniciado por Francisco), Leão 14 classifica proteção climática, acolhimento de migrantes e justiça econômica como “obrigações sagradas”. O texto critica o “crescimento de uma elite rica, vivendo em uma bolha de conforto e luxo” e condena uma “cultura que descarta os outros sem sequer perceber”.

Pouco depois de Trump chamar a mudança climática de “farsa”, Leão 14 repreendeu líderes que “ridicularizam o aquecimento global” e condenou a “ditadura” da desigualdade econômica. A crítica papal ao que chama de “livre mercado desenfreado” expõe tensão sobre questão fundamental: qual o melhor caminho para combater a pobreza.

Para defensores do livre mercado, a crítica papal às estruturas econômicas ignora o papel dessas instituições na criação de prosperidade que permitiu, historicamente, reduzir a pobreza de forma mais eficaz que sistemas redistributivos. Defendem que a doutrina social da Igreja enfatiza a subsidiariedade — princípio que valoriza soluções locais e individuais, incluindo caridade voluntária, em lugar de intervenção estatal centralizada.

A fricção gerou rótulos como “papa Woke” e “papa Comunista”. Mais do que simples expressões de frustração, os termos refletem debate substantivo: católicos conservadores argumentam que a ênfase papal em crítica ao capitalismo obscurece o papel de instituições de mercado livre na redução da pobreza global — evidência histórica considerada essencial para avaliar sistemas econômicos à luz da doutrina social católica.

Pena de morte: extensão contestada da doutrina pró-vida

A terceira frente de tensão envolve a pena de morte. Leão 14 declarou que apoiadores da pena capital não podem se autodenominar “pró-vida”, conectando a condenação da pena de morte à mesma doutrina que rejeita o aborto.

A declaração tocou em debate doutrinário de longa data. A crítica conservadora argumenta que há distinção moral fundamental entre inocentes (como nascituros) e condenados por crimes capitais — distinção que, segundo essa interpretação, justifica tratamento diferenciado. Além disso, a tradição católica historicamente reconheceu a legitimidade da pena capital em circunstâncias extremas, embora papas recentes tenham buscado restringi-la.

Joseph Strickland, bispo emérito de Tyler (Texas) e uma das vozes mais articuladas da oposição conservadora, escreveu em carta aberta que “a Igreja que eu amo está sendo desmantelada”, referindo-se ao temor de que mudanças em ensinamentos considerados parte da tradição permanente da Igreja estabeleçam precedente perigoso para revisões futuras.

Leão 14 trabalha divergências em um contexto diferente de Francisco

As três áreas de conflito revelam padrão comum: apesar de ser o primeiro papa americano, Leão 14 representa continuação ideológica, não ruptura. A exortação Dilexi Te, focada no “amor pelos pobres”, foi iniciada por Francisco antes de sua morte. O novo pontífice também mantém o projeto de sinodalidade — processo de descentralização decisória que amplia participação de bispos e leigos nas definições da Igreja.

A agenda é a mesma de Francisco. O contexto, porém, é radicalmente diferente. Durante o pontificado anterior, católicos conservadores argumentavam que as críticas papais refletiam incompreensão das realidades americanas por parte de um pontífice argentino — distanciamento cultural que, segundo essa perspectiva, explicava as divergências.

Com Leão 14, nascido em Chicago, esse argumento perde força. A tensão não pode mais ser atribuída a diferenças culturais ou desconhecimento do contexto americano. O debate desloca-se para o plano substantivo: interpretações fundamentalmente distintas sobre como a fé católica deve se relacionar com questões econômicas, migratórias e ambientais. A mudança de papa não alterou a agenda, mas mudou radicalmente o estilo.

Estilo distinto, posições equivalentes

Francisco era audacioso, espontâneo, propenso a declarações improvisadas que geravam controvérsias. Leão 14 é cauteloso, reservado, cuidadoso em cada palavra — mas não menos firme nas convicções.

Benjamin Harnwell, correspondente do podcast War Room (ligado ao ex-estrategista de Trump, Steve Bannon), avaliou ao The Economist que Leão 14 é “mais inteligente e sutil do que Francisco e, portanto, mais perigoso” — no sentido de que sua abordagem calculada e formal torna mais difícil para opositores descartarem suas posições como impulsivas. Enquanto o antecessor parecia “procurar briga”, o papa americano não busca confronto, mas tem limites morais inegociáveis e usa o magistério papal para temas que considera prioritários.

Nos primeiros meses do pontificado, o contraste de estilo gerou expectativas distintas: católicos conservadores esperavam que a formalidade sinalizasse moderação substantiva; progressistas temiam que os gestos simbólicos anunciassem recuo nas prioridades de Francisco. Seis meses depois, ambos constataram que as aparências enganaram.

Gestos protocolares ilustram a estratégia. Leão 14 adotou práticas litúrgicas e cerimoniais que Francisco havia abandonado — movimentos que essa corrente interpretou como possível reequilíbrio entre renovação pastoral e tradição litúrgica. Para observadores progressistas, tratava-se de concessões calculadas: símbolos para manter unidade enquanto o papa consolidava sua agenda substantiva. A principal dessas medidas envolveu a Missa em Latim.

Gestos de aproximação, mas prioridades de Leão 14 são divergentes

A autorização da Missa em Latim — liturgia pré-Concílio Vaticano II que Francisco havia severamente restringido — foi a principal medida favorável aos adeptos do rito tradicional. Para católicos ligados ao rito tradicional, a decisão tinha peso substantivo: representava reconhecimento da legitimidade de expressão litúrgica considerada parte da herança da Igreja. Em 25 de outubro, o cardeal americano Raymond Burke, figura proeminente dos católicos conservadores, celebrou cerimônia em rito latino ornamentado na Basílica de São Pedro.

A medida gerou interpretações opostas. Setores conservadores a viram como conquista legítima. Críticos, incluindo Benjamin Harnwell do podcast War Room, argumentaram que se tratava de concessão calculada — apaziguamento simbólico enquanto o papa mantinha as prioridades substantivas de Francisco.

Outros gestos reforçaram o simbolismo. Leão 14 voltou a usar a mozzetta vermelha, capa cerimonial curta que Francisco rejeitara, e mudou-se para o Palácio Apostólico, a residência tradicional abandonada pelo antecessor. Retomou também o uso de Castel Gandolfo, o refúgio papal de verão, e permitiu que cardeais críticos do pontificado anterior, como Raymond Burke e Robert Sarah, se aproximassem do círculo papal.

Ortodoxia doutrinária deve desapontar progressistas

Em questões doutrinárias centrais — aborto, casamento, identidade de gênero —, Leão 14 mantém posições ortodoxas que devem “provavelmente desapontar progressistas”, segundo análise do The Economist. A diferença em relação a Francisco não está na doutrina, mas na ênfase.

A tensão não se refere ao conteúdo dos ensinamentos, mas às prioridades da comunicação papal. Para críticos do pontificado, a Igreja enfrenta ameaças culturais diretas — relativismo moral, desconstrução da família tradicional, secularização acelerada — que exigem resposta robusta e clara do magistério. A escolha de Leão 14 de colocar justiça social, economia e meio ambiente no centro da mensagem papal é vista como descompasso estratégico: mantém ortodoxia doutrinária, mas não a articula com força proporcional aos desafios culturais.

O conflito concentra-se na hierarquia de prioridades. Manter posições ortodoxas não é suficiente, argumentam, se o peso da voz papal está direcionado para temas considerados secundários diante de ameaças morais diretas. O debate, portanto, não é sobre o que a Igreja ensina, mas sobre o que escolhe enfatizar.

Postagens relacionadas