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a estratégia de Trump para manter a hegemonia
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a estratégia de Trump para manter a hegemonia 

A guerra tarifária do presidente americano Donald Trump, que está desestabilizando alianças históricas, bagunçando as cadeias produtivas e reordenando fluxos comerciais ao redor do mundo, representa a reedição do velho Big Stick americano – a diplomacia da força, simbolizada pelo “grande porrete”.

Já utilizada no início do século 20 pelo presidente Theodore Roosevelt, a estratégia visava garantir os interesses dos EUA no quintal latino-americano contra a influência inglesa, sob o lema da Doutrina Monroe: “América para os americanos”. Sua premissa declarada — que justificou intervenções militares, pressões diplomáticas e imposições econômicas em toda a região — se resumia na seguinte máxima: “Fale com suavidade e carregue um grande porrete”.

Mas há diferenças. O republicano não fala com suavidade e tampouco seu foco é somente a América Latina. Brasil e região figuram como áreas de influência econômica importante, mas o republicano ergue seu porrete para o mundo mirando a China, a principal ameaça à hegemonia econômica americana.

“O pano de fundo é conter a ascensão chinesa”, afirma Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). “Com a expansão da participação asiática na nossa região nos últimos 25 anos, viramos um campo de batalha óbvio entre as duas maiores potências mundiais. Por conta disso, a promoção dos interesses americanos com o Trump é hiperagressiva com todo mundo.”

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“Trump também tenta colocar os EUA numa posição de favorecimento transversal, acima de tudo, como era no Big Stick”, reforça Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV. Mas o xadrez de Trump com a China é “errático” e está indefinido.

A novidade é que os EUA se confrontam com um oponente que consegue dialogar — não de igual para igual, pois nenhum país tem o protagonismo econômico americano, mas em condições favoráveis. “Trump quer promover os interesses americanos, mas ele tem um competidor de tamanho suficiente para atrapalhar seus planos”, avalia Ribeiro.

Para o pesquisador, o republicano pode até conseguir atrasar ou conter os interesses expansionistas chineses, mas a certeza é que eles vão “dar trabalho”. “A China não vai se submeter, essa é a questão”, afirma. “Ela vai negociar. E se tem alguém no mundo que pode negociar de verdade [com os EUA], é a China.”

China apostou em planejamento

A situação favorável do gigante asiático é fruto da grande vocação para o planejamento econômico que caracteriza o modus operandi do Partido Comunista Chinês, que controla o país. A China vem se preparando para blindar sua economia desde a crise financeira de 2008, quando percebeu que não poderia permanecer tão dependente das exportações para o mercado americano.

A turbulência no sistema financeiro dos EUA — que derrubou o consumo das principais economias ocidentais — fez Pequim investir no fortalecimento de seu mercado interno e na diversificação de parceiros comerciais. Ao mesmo tempo, a resposta da Casa Branca à crise — com forte expansão monetária e emissão maciça de dólares — evidenciou o risco de manter reservas e transações concentradas na moeda americana, além de intensificar o debate sobre o protecionismo.

“A China já estava administrando a mudança de diretriz dos Estados Unidos, que veio num crescente, a cada administração — [Barack] Obama, [Donald] Trump, [Joe] Biden — aumentando o contencioso”, diz Ribeiro.

A diferença agora, afirma o pesquisador, é o estilo: “Obama e Biden faziam isso com diplomacia, acordos. Trump é barulhento, parece que faz mais, mas na verdade, só faz mais barulho. Mas Pequim tem se mostrado preparada.”

Prova disso, segundo ele, foi a resiliência do país diante do choque tarifário que permitiu manter a racionalidade nas decisões. Pequim explorou seu domínio quase absoluto sobre o processamento global de terras raras — insumos essenciais para smartphones, veículos elétricos, turbinas e sistemas de defesa. “Terras raras têm atualmente o mesmo poder de convencimento da bomba atômica”, ilustra Ribeiro.

Ao impor restrições à exportação de sete elementos críticos, a China provocou impacto imediato nas cadeias produtivas americanas e forçou Washington a sentar à mesa de negociação. O envio foi retomado em troca do alívio de tarifas de exportação sobre produtos chineses, que chegaram a 145% e hoje estão em torno de 30%.

Trump quer cadeias produtivas nos EUA

O poder de barganha da China tem outros componentes. Um dos principais é a estrutura da indústria global que se organizou, nos últimos 25 anos, na Ásia, sob liderança de Pequim.

Trump pretende, com a reindustrialização dos EUA, reverter este quadro, transferir indústrias para solo americano e reduzir a dependência do país em relação a cadeias produtivas estrangeiras, num movimento que agrada a uma parcela da população que se sente perdedora na globalização.

Via tarifas, acredita fortalecer setores industriais estratégicos para impulsionar o crescimento econômico interno, gerar empregos e, de quebra, reduzir o déficit comercial dos EUA, substituindo importações pela produção doméstica.

Neves também cita que a falta de previsibilidade nas regras comerciais pode inviabilizar a migração de fábricas para os EUA. “Seria necessário garantir estabilidade nas regras por décadas”, diz. “Senão você traz a fábrica agora e, daqui a dez anos, teria que levá-la de volta para a Ásia”, afirma.

“É um movimento complexo e caro”, afirma Ribeiro. Além disso, aponta que “essa ideia de gerar empregos em linhas de produção nos EUA é ilusória”. “O americano médio é rico, não quer ficar numa fábrica. Isso é coisa de população pobre — Camboja, Vietnã, Laos. Já foi o chinês, hoje nem é mais tanto.”

Trump, no entanto, tem comemorado os resultados iniciais. Como resultado da guerra tarifária, em junho de 2025, o déficit comercial dos EUA caiu para cerca de US$ 60,2 bilhões, o valor mais baixo desde setembro de 2023.

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Trump joga Brasil no colo da China

Na avaliação dos economistas, a estratégia do Big Stick de Trump apresenta efeitos corrosivos, sobretudo ao ser aplicada contra aliados tradicionais, sem oferecer contrapartidas. Foi o que Trump fez com Coreia do Sul, Japão, Canadá e, principalmente, países europeus. “Ele impôs um acordo pesado que deixou líderes europeus com um gosto amargo, sabendo que não foi bom negócio”, diz Neves.

Essa postura, avalia, fragiliza parcerias importantes e empurra outros países para a órbita de potências rivais, sobretudo a China. O Brasil deu exemplo emblemático desse movimento dias atrás. Ciente da dificuldade dos produtores brasieiros em vender café nos EUA após a tarifa de 50%, a China logo se aproximou e licenciou mais de 180 empresas brasileiras. “Na prática, Trump tira comércio dos Estados Unidos e o entrega para a China”, resume.

A aproximação brasileira dos demais países do Brics também é iminente. Na quarta-feira (6), em entrevista à agência Reuters, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que planejava telefonar para líderes do grupo, começando pela Índia e China, para discutir uma possível resposta conjunta às tarifas dos EUA.

No dia seguinte, Lula conversou com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi para reforçar a parceria comercial entre os dois países. A conversa ocorreu poucos dias depois de Trump ampliar para 50% a sobretaxa imposta à Índia, uma retaliação indireta à Rússia por não ceder aos apelos americanos para encerrar a guerra na Ucrânia.

“A política agressiva de Trump pode até atrasar o avanço chinês, mas também afasta aliados”, afirma o economista do Ibre. “Trump não tem aliados, tem submissos, e isso, com o tempo, desgasta.”

Hegemonia persiste, mas não absoluta

Para além da turbulência mundial e da aposta na erosão da estratégia americana, no curto prazo, os analistas concordam que a hegemonia americana resiste, apoiada na presença global e em uma rede histórica de alianças.

“Quem antecipa o fim do império americano vai errar por muito tempo”, diz Ribeiro. “Mas, sim, surgem novos atores. A questão não é o fim dos EUA, é a emergência de outros.”

“Talvez não vejamos um país substituir os EUA, mas sim uma fragmentação do poder global”, avalia Neves.

Por enquanto, o que prevalece é a incerteza. Há dúvidas se o crescimento industrial nos EUA será suficiente para justificar as perdas decorrentes do fechamento de mercados e do encarecimento de insumos importados. A inflação é baixa, mas persistente, e há sinais de queda no consumo – e ainda não está fechado o escopo completo das tarifas.

O presidente americano também parece não se incomodar com resultados preliminares. Alguma sinalização de mudança dependerá das eleições legislativas (as midterms), no ano que vem. “Caso a agenda trumpista não gere efeitos rápidos, ele poderá enfrentar problemas”, prevê Ribeiro. “Só uma coisa, porém, é certa. Trump não vai parar, de jeito nenhum.”

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