O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi sancionado nesta quarta-feira (30) pelos Estados Unidos com a Lei Magnitsky. Ela pune estrangeiros que os EUA considerem “graves violadores de direitos humanos”. A medida representa, até agora, o ápice de uma crise entre o magistrado e os americanos, iniciada em 2024 com a divulgação do Twitter Files Brazil. Relembre a seguir os principais momentos.
O embate entre Musk e Moraes
Em abril de 2024, uma reportagem publicada pela Gazeta do Povo em parceria com o jornalista americano Michael Shellenberger revelou trocas de e-mails entre funcionários do antigo Twitter (atualmente X) e autoridades brasileiras. As mensagens, enviadas entre 2020 e 2022, mostravam solicitações de dados pessoais de usuários e pedidos de suspensão de perfis sob investigação no país.
Após a publicação, o empresário Elon Musk, proprietário do X, acusou o Judiciário brasileiro de impor ordens judiciais ilegais para bloquear contas populares no Brasil, especialmente de viés conservador. Em declarações públicas, Musk passou a criticar diretamente o ministro Alexandre de Moraes, do STF, questionando a suposta censura praticada no país e defendendo o impeachment ou a renúncia do magistrado por, segundo ele, violações à legislação brasileira.
Com a repercussão do caso e o respaldo de figuras da direita brasileira a Elon Musk, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o empresário no Inquérito 4.874, que apura a atuação de supostas “milícias digitais” ligadas a “distúrbios antidemocráticos”.
Além disso, Moraes intensificou a pressão sobre a plataforma X, impondo multas de R$ 100 mil por perfil cujo acesso a dados e cuja suspensão foram determinados por decisão judicial.
Bloqueio do X e multa para quem usasse VPN
No fim de agosto de 2024, o embate entre Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes ganhou novo capítulo com a suspensão das atividades do X no Brasil, alimentando o debate internacional sobre possíveis violações à liberdade de expressão no país.
À época, Musk já havia encerrado os escritórios da empresa no Brasil e retirado seus representantes legais, após um deles ter sido ameaçado de prisão por Moraes.
O ministro também determinou multa de R$ 50 mil a usuários que acessassem a rede por meio de VPNs — medida que permaneceu em vigor por quase um mês, até a normalização do serviço no país.
Em resposta, Musk lançou um perfil oficial na própria plataforma, chamado Alexandre Files, dedicado à divulgação de decisões judiciais sigilosas atribuídas a Moraes e que, segundo o empresário, configurariam ataques à liberdade de expressão nas redes sociais.
Trump e Rumble se aliam frente a Moraes
Em fevereiro de 2025, o confronto entre o ministro Alexandre de Moraes e plataformas digitais ganhou projeção internacional. Documentos divulgados pelo X revelaram que outras empresas — incluindo Facebook, YouTube e Rumble — também foram alvo de ordens judiciais expedidas por Moraes, exigindo o fornecimento de dados pessoais de usuários brasileiros.
O Rumble, plataforma de vídeos com sede nos Estados Unidos, se recusou a cumprir as determinações e acusou o ministro do STF de agir de forma ilegal. No dia 19, a empresa, junto à Trump Media — empresa do presidente americano Donald Trump —, entrou com uma ação na Justiça americana contra Moraes, alegando que o ministro violou a soberania dos EUA ao ordenar a remoção de contas de um “dissidente político A”. A descrição coincide com o perfil do jornalista e influenciador brasileiro Allan dos Santos.
Após o anúncio do processo, o CEO do Rumble, Chris Pavlovski, desafiou Moraes publicamente, afirmando que a plataforma “não cumprirá ordens ilegais” e que a disputa será resolvida nos tribunais. Dias depois, Moraes determinou a suspensão do Rumble no Brasil, repetindo a medida aplicada ao X no ano anterior.
No dia 25, um tribunal da Flórida decidiu a favor do Rumble e da Trump Media, afirmando que ambas as empresas não estão obrigadas a cumprir ordens judiciais expedidas por Moraes.
Congresso americano pressiona Moraes
O embate entre Alexandre de Moraes e as plataformas digitais também reverberou no Congresso dos Estados Unidos. Um dia após a decisão favorável ao Rumble e à Trump Media na Flórida, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes — equivalente à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil — aprovou um projeto de lei que mira autoridades estrangeiras acusadas de violar a Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão.
O texto propunha a proibição de entrada nos EUA de qualquer autoridade estrangeira envolvida, direta ou indiretamente, em ações que atentem contra esse direito fundamental. Caso já esteja em solo americano, o indivíduo poderá ser deportado. O projeto, porém, ainda não foi aprovado pelo plenário da Casa.
Governo Trump encorpa pressão do Congresso americano
O governo de Donald Trump também se posicionou oficialmente sobre as decisões judiciais brasileiras contra plataformas digitais sediadas em território americano.
A manifestação veio do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, ligado ao Departamento de Estado dos EUA, que classificou as ordens contra empresas de tecnologia como “incompatíveis com valores democráticos”. O comunicado mencionou expressamente o caso brasileiro como motivo de preocupação.
Em resposta, o governo Lula declarou ter recebido a manifestação “com surpresa” e criticou a tentativa de, segundo nota do Itamaraty, “politizar decisões judiciais”. O Ministério das Relações Exteriores afirmou ainda que os Estados Unidos “distorceram o sentido” das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Eduardo Bolsonaro entra na briga contra Moraes
Em 21 de março de 2025, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que havia acabado de anunciar licença do mandato para ir aos Estados Unidos, comentou em uma live sobre possíveis sanções do governo americano ao ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, haveria um “problema muito grande” para Moraes utilizar qualquer serviço bancário nos EUA caso fosse sancionado, mencionando cartões Visa e Mastercard como exemplo.
Dois meses depois, em 21 de maio, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que havia uma “grande possibilidade” de Moraes ser alvo de sanções por parte do governo americano. A declaração foi dada em resposta a uma pergunta do deputado republicano Cory Mills (Flórida), que mencionou a possibilidade de uso da Lei Magnitsky — legislação que permite aos EUA punirem estrangeiros acusados de violar direitos humanos. Logo após, em 26 de maio, Moraes determinou a abertura de um inquérito contra Eduardo Bolsonaro, sob suspeita de atuar nos Estados Unidos contra o Judiciário brasileiro.
Em 5 de junho, o ex-presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento à Polícia Federal e afirmou conhecer apenas de forma superficial a Lei Magnitsky. Negou ter tomado qualquer medida concreta para sua aplicação contra autoridades brasileiras. A declaração foi feita no contexto do inquérito que investiga seu filho, Eduardo Bolsonaro, por ações nos Estados Unidos. No dia seguinte, a Rumble e a Trump Media acionaram a Justiça dos EUA para sancionar Moraes por censura a cidadãos e empresas americanos.
Tensão com Moraes se converte em crise diplomática
A tensão entre Estados Unidos e Moraes virou uma verdadeira crise diplomática entre Brasil e EUA em julho de 2025, após declarações de Donald Trump. No dia 6, o presidente americano ameaçou impor tarifas a qualquer país que se alinhasse às “políticas antiamericanas do Brics”, em reação a uma reunião recente do bloco — composto por Brasil, China, Rússia, Índia e outros.
No dia seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu à ameaça, afirmando que o Brasil não aceitava interferências em suas decisões soberanas. “Não aceitamos nenhuma reclamação contra a reunião do Brics”, disse Lula.
Um dia depois, Trump intensificou o confronto ao declarar apoio público ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que, segundo ele, estaria sendo alvo de perseguição política no Brasil. Lula preferiu não responder diretamente à acusação.
A escalada prosseguiu. Em 9 de julho, Trump enviou uma carta formal a Lula, na qual classificou o tratamento dado a Bolsonaro como uma “caça às bruxas” e pediu que o processo judicial contra o ex-presidente fosse encerrado imediatamente.
Na carta, Trump acusou o STF de emitir “centenas de ordens de censura secretas e ilegais” contra plataformas de redes sociais dos EUA e anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos a partir de 1º de agosto — a primeira medida concreta do pacote de sanções.
A situação continuou a se agravar. Em 17 de julho, Trump publicou uma nova carta, desta vez diretamente endereçada a Bolsonaro, pela rede Truth Social. Ele reforçou seu apoio ao ex-presidente e criticou duramente o sistema judicial brasileiro, afirmando que o julgamento contra Bolsonaro “precisa terminar imediatamente”.
Primeiras sanções e Lei Magnitsky
No dia seguinte, 18 de julho, o ministro Alexandre de Moraes determinou medidas cautelares contra Bolsonaro: uso de tornozeleira eletrônica, proibição de contato com seu filho Eduardo Bolsonaro, restrição de acesso a embaixadas e impedimento de conceder entrevistas.
Horas depois, os Estados Unidos responderam com mais uma sanção: o cancelamento dos vistos de oito ministros do STF — dentre os quais constava Alexandre de Moraes —, do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e de seus familiares mais próximos.
Por fim, nesta quarta-feira (30) o governo americano sancionou Moraes com a Lei Magnitsky. Agora, serão bloqueados todos os bens do ministro e de empresas em seu nome que estejam nos EUA. Além disso, ele não poderá realizar operações que passem pelo sistema bancário americano, bem como terá bloqueados os seus cartões de crédito internacionais de bandeiras com sede nos EUA.
Moraes ainda fica proibido não apenas de entrar nos EUA, mas também de negociar com empresas e cidadãos americanos, que podem ser penalizados nos mesmos termos da lei caso a desobedeçam. O ministro poderá ser impedido de acessar serviços como Gmail, Google Drive, YouTube e Google Pay, mesmo que tente utilizá-los no Brasil ou em outros países, já que empresas como o Google, a Meta, a Amazon e a Apple, que estão sediadas nos EUA, são legalmente obrigadas a monitorar e relatar quaisquer movimentações financeiras, digitais ou contratuais de Moraes, sob pena de também serem sancionadas.
Além disso, logo após a determinação do enquadramento de Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky, Trump assinou um decreto antecipando a aplicação de 50% de tarifas ao Brasil, que deveria ocorrer em 1º de agosto, para hoje. No entanto, foram excluídos da taxação itens como suco e polpa de laranja, fertilizantes, artigos de aeronaves civis não militares, madeira e outros.
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